Será que Janja é tão criticada porque foge do perfil das primeiras-damas que a precederam?

Lula tem apanhado, como diziam no interior, igual a cachorro sem dono, nesses primeiros meses de governo. Bem, cá entre nós, o chefe do Executivo fez por merecer. Afinal, dia sim, outro também, dentro e fora do país, ele não tem sido muito feliz em seus pronunciamentos. Ou seja, o presidente dá uma boa mãozinha para receber essa pancadaria. Normal. Que primeiro mandatário brasileiro escapou ileso de críticas? Se é natural que o presidente da República seja censurado, achincalhado e espinafrado desde o momento em que veste a faixa até o dia em que deixa o Palácio do Planalto, não é muito comum que a primeira-dama receba o mesmo tratamento. Pois é, Janja da Silva também se transformou em alvo desses ataques frequentes. Se, por um lado, ela tem desfrutado das benesses da sua posição, com viagens e salamaleques, por outro recebe críticas de toda ordem. Falam da maneira como se veste, como “interfere” nos assuntos do governo, como gasta com a compra de móveis, com a aquisição em loja de luxo de uma gravata dispendiosa para o marido. Bem, o que não falta é petardo praticamente todos os dias. Desde a posse, ela não saiu do noticiário, e quase sempre recebendo comentários desairosos. Não deve ser fácil. Por mais jogo de cintura que tenha, haja couro duro para aguentar essa pressão. Ainda que tenha Lula como exemplo de resiliência, ele é ele e ela é ela.

Algumas feministas se apressaram em creditar essas agressões ao fato de ela ser mulher. Essa avaliação parece simplista e enviesada. Vamos imaginar que ela fosse a presidente e tivesse um Janjo como “primeiro-damo”. Será que se ele tivesse o mesmo comportamento que ela tem tido, seria poupado dos comentários agressivos? Provavelmente não. Basta citar como exemplo a atuação de Carlos Bolsonaro durante a gestão do pai. Quantas vezes ele foi massacrado porque diziam estar metendo o nariz onde não devia! Portanto, essa tese feminista precisa ser vista com olhos cuidadosos. Cada primeira-dama tem suas peculiaridades. Assim como Marco Maciel sempre foi tido como o vice-presidente exemplar, o sonho de consumo de todos que chegam à Presidência, Ruth Cardoso também é lembrada como um modelo insuperável de esposa para um presidente. 

Formada em Ciências Sociais, doutora em Antropologia, professora de competência reconhecida em universidades de diversos países, como Chile, França e Estados Unidos. Atuou como membro associado do Centro para Estudos Latino-Americano da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. É currículo para ninguém botar defeito. Embora não gostasse do título de primeira-dama, atuou ao lado de Fernando Henrique Cardoso de 1995 a 2003. Nesse período, criou e presidiu o Programa Comunidade Solidária, além da ONG Comunitas, na qual participou intensamente enquanto viveu. Nunca se ouviu uma única palavra contra a Dra. Ruth. Ficava na dela, sem se intrometer na vida palaciana. Se dava os seus palpites, ninguém ficava sabendo.

Marcela Temer, esposa de Michel Temer, possuía perfil muito distinto. Foi uma primeira-dama tão discreta que a denominaram “bela, recatada e do lar”. Era a vida que, pelo menos aparentemente, fazia bem a ela. Todas as vezes em que se apresentou em público recebeu elogios, especialmente no lançamento e condução do Programa Criança Feliz, criado com a finalidade de dar assistência médica e psicológica para crianças com idade de zero a três anos. Sua atuação para divulgar essa iniciativa foi de fundamental importância. Michelle Bolsonaro chegou chegando. Fez mais sucesso que o marido no dia da posse. Sem que ninguém esperasse, “proferiu” um surpreendente discurso usando a Libras (Língua Brasileira de Sinais) para se comunicar com os surdos. Somente no final dos quatro anos de governo é que ela participou ativamente da campanha que tentava a reeleição de Bolsonaro. Graças ao seu comportamento, simpatia e capacidade de comunicação, está sendo cotada para concorrer a um cargo no Senado e até mesmo para presidente nas próximas eleições. Marisa Leticia nem foi mencionada porque entrou e saiu sem ser vista. Se deu duas rápidas entrevistas durante os oito anos do governo Lula, foi muito. E, mesmo assim, sem tocar nos áridos e indigestos temas políticos.

Esses exemplos demonstram que as censuras feitas à Janja não têm nada a ver com o fato de ela ser mulher. Se não for por causa de seu comportamento, pode ser uma ponte para atingir Lula. Caberá a ela encontrar os caminhos que possam afastá-la das críticas que tem recebido. Não precisa imitar o estilo de Ruth Cardoso. Pode e deve ser ela mesma, com sua personalidade e jeito que julgar conveniente. Não será, entretanto, segundo o que foi noticiado pela imprensa, pedindo para comprar mesa de R$ 200 mil nem gravata caríssima que irá construir uma imagem mais positiva. Siga pelo Instagram: @polito.