TI em 2023: turbulências, resiliência e expansão

Pauta Wanise IT Forum Revista

O ano começou quente. Empresas de tecnologia aprofundaram processos de demissões que tiveram início no segundo semestre de 2022 sob a alegação de que precisavam ajustar estruturas a um período mais austero e economia incerta. Mas, passado quase um semestre, este movimento permanece como a principal sinalização para 2023? Não necessariamente.

A competição, a necessidade de inovação e de avanços operacionais continuaram a influenciar o mercado corporativo a investir em TI e telecom mesmo que em ritmo um pouco menor do que o ano passado.

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Mas o susto foi grande. Nos Estados Unidos empresas de tecnologia demitiram em dois meses cerca de 64% do que foi desligado durante todo o ano de 2022. Em 5 meses, as Big Techs completaram o afastamento de mais de 60 mil funcionários.

“Algumas empresas, principalmente as Big Techs, preferiram um remédio amargo logo cedo para realinharem a rota”, comentou Charles Schweitzer, diretor-superintendente de Inovação do Banco Carrefour. Em outras empresas, com perfil não tecnológico, as dispensas preservaram a área de tecnologia. “Isso mostra a importância que ela ganhou dentro das corporações”, avaliou.

CharlesCharles Schweitzer, diretor-superintendente de Inovação do Banco Carrefour (Imagem: Divulgação)

São vários os fatores que levaram a esse movimento, como a prolongada guerra da Ucrânia e Rússia, sinais de recessão americana, efeito da pandemia quando houve expansão dos quadros e até reavaliações estratégicas. No Brasil, o cenário com a transição governamental e a permanência dos juros altos também levou a uma certa apreensão.

O alerta foi necessário, o sinal amarelo foi acionado, mas por enquanto há resiliência pelo menos no mercado brasileiro “A sinalização quanto aos gastos com TI este ano continuam positivas, temos mais projetos de manutenção e expansão do que retração dos investimentos”, observa Luciano Ramos, country manager da IDC Brasil.

O executivo cita a pesquisa IT Investments Trends realizada no início do ano e que mostrou otimismo moderado para a aplicação de recursos nessa área. Do ponto de vista do mercado corporativo, ele prevê um crescimento de 7% a 8% com gastos na área de tecnologia.

“O mercado enfrentou um primeiro trimestre mais desafiador. Janeiro ainda trouxe alguns resquícios dos negócios do final de 2022, depois houve um vale entre fevereiro e março e o segundo trimestre, por fim, chegou com alguns sinais de recuperação”, explicou.

Segurança nas Alturas

Para Ramos, o tema segurança de dados e dos ambientes corporativos híbridos de cloud continua tendo um papel essencial na avaliação dos CIOs. Também vêm se destacando na agenda dos executivos as questões ligadas ao gerenciamento de dados e sistemas analíticos com IA. Ou seja, aumenta ainda mais o interesse em capturar o valor das informações obtidas pelas companhias.

“Certamente tem um hype na parte da IA generativa, as empresas estão curiosas”, analisou o country manager. Ele considera que, para sua disseminação, a bola está com os provedores da tecnologia que precisam tangibilizar melhor casos de uso que sejam facilmente aplicáveis.

Em 2023, a nuvem continua tendo muito espaço nos planos corporativos de TI. Mas o executivo ressalta que também há uma questão de buscar otimização, de colocar a casa em ordem em cloud, de entender melhor as práticas de finOps que prometem uma visão mais clara e completa dos gastos nessa área.“É um momento de análise, de repensar como se está usando a nuvem, mas o crescimento continua sendo importante”, acrescentou.

Na avaliação de Ramos, na forma de aquisição os modelos as a service têm expandido. Isso acontece principalmente quando se trata de dispositivos, onde é mais difundido, mas há olhares mais interessados também nas ofertas de soluções de infraestrutura. Isso valoriza outros modelos, como estruturas hiper convergentes ou mesmo nuvem privada como serviço.

Cenário mais otimista

O estudo Antes da TI, a Estratégia, produzido pela IT Mídia, também aponta para uma expansão dos gastos nessa área mesmo que ainda com menor ritmo do que no ano passado. A pesquisa começou a ser feita em novembro de 2022 e finalizada em junho, o que ajuda a capturar a disposição de investimentos em um período mais longo, na opinião de seus 468 participantes.

Segundo Pedro Hagge, gerente de Estudos e Pesquisas da empresa, há otimismo dos líderes de tecnologia inclusive em relação ao aumento de lucratividade das corporações no ano. Pelo levantamento, 76% dos que participaram acreditam em crescimento da receita este ano, retomando patamares anteriores à pandemia, enquanto 12% indicam retração.

luciano ramos idcLuciano Ramos, country manager da IDC Brasil (Imagem: Divulgação)

Em relação aos gastos com tecnologia, os CIOs também estão animados. A grande maioria, 78%, prevê que haverá expansão do orçamento de cerca de 10% a 15% em 2023 e 5% acreditam que haverá redução. Esse aumento dos recursos investidos em tecnologia está abaixo do ano passado, quando foram registrados percentuais superiores a 20%.

As duas prioridades dos gastos em TI, de acordo com o estudo, não surpreendem. A cibersegurança está no alvo de 88% dos CIOs e o gerenciamento de dados é prioridade de 76%. O terceiro item sim é surpreendente: a recomposição física dos ambientes de trabalho com compra de notebooks e desktops (72%) depois de um longo período de home office por conta da quarentena.

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Tecnologias mais recentes, por enquanto, não são tão atrativas quando se fala de orçamento de TI e telecom. Nesse cenário temos uma disposição de apenas 13% dos CIOS de aplicar recursos no metaverso e 14% em blockchain.

Dos entrevistados, apenas 33% se dizem motivado a investir em 5G, provavelmente aguardando que a tecnologia ganhe mais capilaridade e aplicações que justifiquem a troca de padrão móvel.

As próprias empresas de tecnologia são as que devem investir mais em tecnologias, com 15,3% da receita, seguidas pelo sistema financeiro (14,6%) e seguradoras (8,8%).

Na outra ponta, entre as áreas que estão atraindo menos, estão o agronegócio, com apenas 1,7% do que arrecadam sendo destinado para o avanço tecnológico, a siderurgia (2%) e indústria de alimentos (1.9%). Mas é bom fazer uma ressalva de que há muitos investimentos sendo feitos nesses setores que talvez não apareçam tanto em função do alto valor de suas receitas.

Todos no mesmo barco

O momento pelo qual o país atravessa ainda é delicado e exige cautela, na opinião de Schweitzer. Ao contrário das empresas que preferiram enxugar seus quadros para garantir a travessia, o Grupo Carrefour optou por “manter todos no barco até o final do ano”, sem demissões. Mas isso tem uma contrapartida: não lançar novos produtos, não entrar em novas áreas e guardar forças para 2024.

Essa decisão teve como reflexo, por exemplo, postergar a entrada do banco no sistema Open Finance. “O investimento para essa adesão é muito alto, seja em qual for o modelo escolhido para isso. Esperamos um cenário melhor em 2024 para que possamos aderir”, salientou.

A orientação da área de tecnologia é investir em soluções que tragam benefícios para o core do grupo e facilitem os negócios já existentes. Sem novas arenas.

Um exemplo disso é que, como instituição financeira, o banco atende ao crédito pessoal, uma área que enfrenta indicadores complicados no momento. E possui o que o executivo chama de “last mile” que muitas vezes impede a concessão do serviço. Isso pode envolver, por exemplo, digitação errada do nome ou algum outro empecilho.

“Em geral, 7% dos pedidos de créditos pessoais não chegavam a ser efetivados”, disse. O banco fechou uma parceria com a Transfeera, startup especializada na validação de dados bancários, e o percentual de concessão de créditos não efetivados caiu para 3%, o que significou um aumento de cerca de R$ 2 milhões mensais na receita.

Varejo dividido

O varejo, por sua vez, teve um começo de ano muito difícil e ainda sofre com a questão da credibilidade que foi estremecida com o caso Americanas. “Muitos grandes varejistas vivem de renovar linhas de créditos que, agora, são mais restritivas e as taxas de juros muito altas”, observou Paulo Farroco, CDO da Ri Happy.

Esse cenário tem trazido turbulências e preocupações ao setor. Pois é nesse ambiente que a tecnologia ganha força para levar às empresas soluções que permitam aumento da produtividade, processos mais eficazes e se beneficiar de análise dos dados.

Na Ri Happy, o executivo conta que tem feito movimentos “ambidestros”, apoiando as outras áreas mais estruturadas de tecnologia e contribuindo com um novo mindset que permita a todos pensarem de forma mais estruturada e o futuro da automatização de processos.

paulo farroco rihappy1Paulo Farroco, CDO da Ri Happy (Imagem: Divulgação)

Em sua área, a convivência com sistemas de deep analytics e um pouco de machine learning está em andamento. “Em outra etapa, estamos degustando a IA no varejo, ainda sem escala, mas avançando aos poucos”, ressaltou.

Ele considera que há uma parte muito estruturante no volume de dados a serem tratados considerando que é necessário um arcabouço robusto para que essas informações possam ser exploradas de forma consistente. “Estamos tornando nossa equipe mais sênior para operar como ninjas bem-preparados para, se tudo certo, enfrentarmos um segundo semestre melhor”, avaliou.

Ainda em varejo, mas mais especificamente em produtos farmacêuticos, a Drogaria São Paulo tem se destacado no pioneirismo de transformação digital e não pretende colocar o pé no freio. No ano passado, lançou o programa Inova Viva Saúde, uma iniciativa para acelerar startups e busca de soluções inovadoras para áreas como cadeia de suprimentos, vendas, distribuição e atendimento ao cliente.

“A aquisição da TI Saúde ampliou nossa visão de digitalização e estabelecemos parcerias estratégicas com empresas renomadas, como a Porto Seguro, Seguros Unimed, Hospital do Câncer de Pernambuco e outros”, comentou Cristiano Hyppolito, diretor de Tecnologia e Digital do Grupo DPSP.

cristiano hypollito1Cristiano Hyppolito, diretor de Tecnologia e Digital do Grupo DPSP (Imagem: Divulgação)

Essa aquisição, realizada no início de 2022, trouxe um crescimento significativo para o grupo, com um aumento de 260% no número de usuários cadastrados na plataforma. Mais de 5,7 milhões de pacientes foram atendidos e mais de 11 milhões de agendamentos foram realizados. E a própria TI Saúde se tornou plataforma oficial de outros, como a da Porto Saúde.

Este ano serão destinados R$ 450 milhões para tecnologia, abertura de novas lojas, inauguração de um novo Centro de Distribuição e outros projetos. E está sendo mantido o compromisso de investir.

Além disso, estão comprometidos em investir mais em inovação nos próximos cinco anos, com um total de R$ 500 milhões no período com essa destinação.

“Nossa abordagem é de fora para dentro, buscando melhorar a experiência de compra em todos os pontos de contato, seja na loja física, no site ou no aplicativo. Investimos significativamente em modernização com destaque para tecnologias como Machine Learning e IA”, observa Hyppolito. A empresa implantou um ERP integrado com IA, abrangendo desde inteligência comercial até operações de loja, logística e backoffice corporativo.

*Esta reportagem foi originalmente publicada na edição #28 da Revista IT Forum.

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