Virada épica contra o Botafogo entra para a lista de maiores jogos da história do Palmeiras

O Palmeiras conquistou nesta quarta-feira, 6, o seu 12º caneco do Campeonato Brasileiro. Para contar a heroica arrancada do Alviverde, que reverteu uma vantagem de 14 pontos, é impossível não passar pelo confronto do dia 1º de novembro. Em um dos maiores jogos da era de pontos corridos do Nacional, o time comandado por Abel Ferreira foi para o intervalo perdendo para o Botafogo por 3 a 0, mas acordou no segundo tempo e conseguiu uma épica virada por 4 a 3. Autor de dois gols, Endrick foi o nome do jogo, mas Weverton também virou herói ao pegar um pênalti em momento crucial. Ao final do jogo, um Engenhão atônito assistia à festa palestrina no campo e nas arquibancadas. A vantagem alvinegra caia para três pontos, e todo mundo que assistiu àquele jogo tinha uma certeza: o Verdão iria buscar o título.

A vitória palmeirense começou antes mesmo do pontapé inicial. Enquanto os jogadores do Palmeiras aqueciam para o jogo que poderia lhes garantir a sobrevida no campeonato, a torcida do Botafogo gritava “é campeão, é campeão”. Por ali passavam o remador Lucas Verthein e a canoísta Ana Sátila, atletas do clube carioca que ganharam a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos. A remadora Beatriz Tavares, que conseguiu uma prata em Santiago, também desfilou. Os palmeirenses, porém, não viram nada disso. Acreditaram que a torcida adversária cantava vitória antes do tempo, e aquilo serviu de combustível para Endrick, como revelou a joia palmeirense após a partida. “Uma coisa que ficou entalada em mim foi a torcida do Botafogo. Óbvio que torcedor é assim, mas quando gritaram ‘é campeão’ no aquecimento, eu fiquei… É difícil falar, mas fiquei com um ódio no coração.”

O curioso é que, após o intervalo, o botafoguense tinha motivo para se sentir campeão. Em uma apresentação de gala, o então líder do campeonato meteu 3 a 0 no Palmeiras, e poderia ter sido mais. Eduardo abriu o placar aos 21 minutos na terceira grande chance do Fogão. Em um golaço de fora da área, Tchê Tchê ampliou aos 30. O terceiro saiu seis minutos depois, em um veloz contra-ataque que foi marca do Glorioso no impecável primeiro turno. Tiquinho Soares desperdiçou, mas Júnior Santos, não. Revoltados com a aparente perda do título, diversos torcedores palmeirenses começaram a culpar Weverton, que espalmou a bola nos pés do atacante alvinegro.

Mesmo perdendo por 3 a 0, Abel Ferreira voltou com os mesmos 11 jogadores que haviam iniciado a partida: Weverton; Gustavo Gómez, Luan e Murilo; Mayke, Richard Rios, Zé Rafael e Piquerez; Raphael Veiga; Breno Lopes e Endrick. No entanto, uma mudança no esquema tático foi fundamental para a reação palmeirense no Rio de Janeiro. “Faltava só um dos nossos laterais desfazer a linha de cinco [defensores] e bater com o lateral deles. Só isso. Foi a única alteração que eu fiz para a segunda etapa”, contou. “Eu não sabia se íamos ganhar o jogo. Mas o que eu disse é que a gente precisava ganhar o segundo tempo. Se ficasse 3 a 1 ou 3 a 2… A gente tinha que ganhar o segundo tempo. […] Eu disse duas coisas: é impossível jogar pior e é fundamental fazer um gol rápido.”

Aos 4 minutos do segundo tempo, o Palmeiras balançou a rede pela primeira vez. Endrick recebeu no meio, enfileirou três adversários e finalizou de canhota. Um golaço daquele que literalmente colocou a bola debaixo do braço e ganhou o jogo. Após diminuir no comecinho da etapa final, como queria Abel, o talentoso jovem palmeirense pegou a redonda de dentro do gol e a levou ao meio de campo, sinalizando aos companheiros que a reação era possível. Começava ali a resposta que o camisa 9 do Verdão prometera dar à torcida botafoguense.

Atônito, o Botafogo não conseguia repetir o desempenho do primeiro tempo e se segurava da maneira que podia, até perder Adryelson, expulso após Braulio da Silva Machado revisar no VAR a falta em Breno Lopes. Apesar de ficar com um a menos após a controversa decisão do árbitro — pela qual os botafoguenses choram até hoje —, a equipe carioca teve a vitória nos pés de Tiquinho Soares, seu principal jogador. Aos 34 minutos, o juiz marcou um pênalti de Rony em cima do centroavante alvinegro, em outra decisão polêmica. Após muita reclamação do lado alviverde, a cobrança saiu aos 38 minutos e 13 segundos, mas Weverton voou para o seu canto esquerdo e impediu o 4 a 1 do Fogão, que praticamente mataria o Palmeiras na partida. Foi a redenção para um goleiro que sofreu com exageradas críticas após e eliminação para o Boca Juniors na Libertadores, em decisão por pênaltis. Reclamam os torcedores mais azedos que o camisa 21 nega fogo quando a equipe mais precisa dele. No Engenhão, ele mostrou que isso não é verdade.

O castigo para o Botafogo não demorou. Cinquenta e nove segundos após Weverton impedir o gol de Tiquinho, Endrick dominou uma bola na entrada da área e chutou de canhota, no cantinho. Conhecido por ser excessivamente cético, o torcedor do Botafogo parecia prenunciar a improvável virada. Afinal, tentava evitar a empolgação de um dos times mais vencedores do Brasil nos últimos tempos. Aos 44, após cruzamento na área, Gómez escorou para o meio e Flaco López deixou tudo igual. Nos acréscimos, uma emblemática piscadinha de Marlon Freitas, que fazia cera caído no chão, evidenciou que o Fogão já estava considerando o 3 a 3 um bom resultado — afinal, manteria seis pontos de vantagem sobre o time paulista. Mas naquela noite não tinha quem parasse o rolo compressor alviverde. No último lance, Murilo apareceu no segundo pau e virou para 4 a 3. “Foi mágico”, celebrou Abel Ferreira. “Só há uma equipe no Brasil capaz de fazer o que fizemos aqui: a nossa. Mais uma vez mostrou a mentalidade que tem, a força que tem.”

Foi apenas a segunda vez que o Palmeiras virou uma partida após perder o primeiro tempo por 3 a 0. A primeira foi em 1965, contra a Ferroviária, também pelo placar de 4 a 3. Além disso, a virada capitaneada por Endrick suscitou debates sobre ser o maior duelo da era dos pontos corridos e entra para a história como o principal jogo da vitoriosa campanha alviverde no Brasileirão de 2023. Em 110 anos de história, o gigante clube paulista coleciona dezenas de jogos memoráveis, como o fim do tabu, o tri da Libertadores ou o jogo da Arrancada Heroica, em que deixou de ser Palestra Itália para virar Palmeiras. A lista agora ganha um novo integrante.

Relembre outros grandes jogos da história do Palmeiras

Eterno 8 a 0 (5 de novembro de 1933)

A maior goleada do clássico entre Palmeiras e Corinthians é alviverde. Faz tanto tempo que o Verdão ainda se chamava Palestra Itália, mas até hoje o show de Romeu Pelliciari, autor de quatro gols, e Imparato, que fez três, é rememorado pelos palmeirenses. Em 2020, torcedores palmeirenses invadiram o estádio do Timão antes de um Dérbi e fizeram pichações referentes à goleada. O episódio também é relembrado no filme “Romeu e Julieta”, de 2005.

Arrancada Heroica (20 de setembro de 1942)

Em março daquele ano, em plena Segunda Guerra Mundial, o governo de Getúlio Vargas decretou que bens pertencentes a italianos, alemães e japonese poderiam ser confiscados. Isso atingiu em cheio o futebol, forçando clubes associados a países do Eixo a mudarem de nome. Em seu primeiro jogo como Palmeiras, o ex-Palestra Itália enfrentou o São Paulo em clima bélico, em jogo que valia o título paulista. “Boatos diziam que haveria um clima de muita hostilidade por parte da torcida para com nossos jogadores”, contou Adalberto Mendes, o capitão, que deu ao time a ideia de entrar em campo com uma bandeira do Brasil. A Arrancada Heroica encheu os palmeirenses de brio. Dizem os relatos da época que o placar só não foi maior porque o Tricolor abandonou o jogo após a marcação de um pênalti. A frase “morre líder, nasce campeão” virou um mantra para os palmeirenses.

Campeão do mundo? (22 de julho de 1951)

A despeito da polêmica se o Palmeiras tem ou não um Mundial, é inegável a importância da Taça Rio de 1951. Organizada pela antiga Confederação Brasileira de Desportos um ano após o Maracanazzo (a derrota do Brasil para o Uruguai na final da Copa do Mundo), o torneio contou oito clubes de seis países. Disputada em um Maracanã apinhado, a final entre Palmeiras e Juventus terminou empatada por 2 a 2. O gol do título foi de Liminha, que enfileirou a defesa italiana. Por causa dessa conquista, o Verdão se intitula “o primeiro campeão mundial” e usa uma estrela vermelha na camisa. No entanto, posições evasivas da Fifa dão munição aos rivais.

O gol de Ronaldo (22 de dezembro de 1974)

Tudo estava pronto para uma festa corintiana no Morumbi. Em jejum havia 20 anos, o Alvinegro não tinha o melhor time, mas colocava em Rivellino a esperança de que sairia da fila naquela final do Campeonato Paulista de 1976. Por isso, foi ainda mais saboroso para os palmeirenses fazer a festa em minoria nas arquibancadas, tripudiano sobre mais de 100 mil corintianos. O gol começou em bola perdida por Rivellino. No contra-ataque, Leivinha ajeitou e Ronaldo acertou um belo chute, sem chances para Butice. Revoltada, a torcida alvinegra exigiu a saída de Riva, que foi para o Fluminense.

O Dia da Paixão Palmeirense (12 de junho de 1993)

O Corinthians teve a chance de dar o troco no Palmeiras e impedir o rival de sair de uma fila de 17 anos. E o primeiro jogo da final do Paulistão de 1993 animou a Fiel, mas Viola cometeu um erro fatal: após fazer o gol da vitória, imitou um porco e deixou os alviverdes mordidos. Vanderlei Luxemburgo usou a imagem à exaustão na finalíssima e encheu de brio um time com craques do quilate de Mazinho, Zinho, Edílson, Edmundo e Evair. Coube ao Matador o gol derradeiro, marcado na prorrogação — na época o saldo de gols não contava —, que selou a goleada por 4 a 0, lembrada até hoje nas arquibancadas alviverdes. Por ter sido disputado no Dia dos Namorados, o jogo ficou conhecido como O Dia da Paixão Palmeirense.

Dia de São Marcos (12 de maio de 1999)

Quem diria que uma derrota está entre os jogos mais marcantes da rica história alviverde? Depois de vencer o Corinthians por 2 a 0 nas quartas de final da Libertadores, o Verdão reencontrou o bom time do rival, que devolveu o placar e levou a decisão para os pênaltis. Foi ali que começou processo de “santificação” de São Marcos. Após brilhar no tempo normal das duas partidas, o maior goleiro da história palestrina pegou a cobrança de Vampeta e ajudou o Alviverde a se classificar. A equipe de Luiz Felipe Scolari ainda viria a ser coroado com o título, a primeira das três “Libertas” do Verdão.

Libertadores eu sou tri (27 de novembro de 2021)

O Palmeiras chegava à final da Libertadores como atual campeão, mas o Flamengo era considerado o favorito no estádio Centenário. O Verdão, no entanto, esbanjou valentia no gramado e nas arquibancadas. Mesmo em minoria, a torcida alviverde cantou e vibrou mais que os rubro-negros. Em campo, abriu o placar com Raphael Veiga, levou o empate de Gabigol, mas não esmoreceu. O herói improvável foi Deyverson, que roubou a bola de Andreas Pereira e chutou na saída do goleiro Diego Alves, decindindo o confronto na prorrogação. Quando o apito soou pela última vez, só se ouvia os palestrinos em Montevideú: “Ih, Libertadores eu sou tri…”.