Direito do Trabalho – Introdução

Temos como objetivo fazer uma abordagem simples e direta dos principais tópicos de Direito do Trabalho, capaz de fornecer subsídios para alunos do Curso de Direito, suporte e material para postulantes a cargos públicos, informações necessárias e respostas a dúvidas que surgem no cotidiano, tanto ao público em geral, quanto aos profissionais de RH e afins. Esperamos contribuir também com os profissionais que militam na área trabalhista, acompanhando a edição de novas Leis, mediante respectivas e pertinentes análises e comentários, bem como o desenvolvimento de temas atuais, de maneira a proporcionar contato com as tendências e transformações da legislação trabalhista, oferecendo alternativa compatível à exiguidade de tempo que assoma os profissionais da área que, por isto mesmo, nem sempre possuem condições de atualizar-se da maneira desejável, enredados que estão por um dia-a-dia marcado pelo caos de prazos, processos, audiências e a edição de um número interminável de Leis.

 

II) Sobre a organização dos tópicos

 

A disciplina pode ser subdividida em 03 (três) grandes e principais tópicos: Direito Material do Trabalho; Direito Processual do Trabalho e Execução Trabalhista. Além de abordar temas referentes a estes 03 (três) ramos, traremos, tão logo sejam editadas, as principais novidades legislativas, estas com precedência sobre o desenvolvimento e/ou continuação de outros tópicos. Dedicaremos espaço privilegiado aos informes jurídicos, principal e notadamente do Tribunal Superior do Trabalho – TST – e demais Tribunais Superiores, forma esta, assim entendemos, de formar e informar… Faremos alternância entre a veiculação de temas mais complexos e técnicos e outros mais simples e menos controvertidos, como forma de universalização e democratização do espaço de debate, sem, contudo, perder de vista a noção de conjunto e da estrutura. Um último e importante aspecto deste tópico é a nossa intenção de disponibilizar, sempre que possível, indicações bibliográficas, endereços eletrônicos pertinentes aos temas desenvolvidos, links e informes, Portarias, Resoluções, Provimentos e etc. Ao final de cada tutorial procuraremos trazer uma dica, apresentar uma curiosidade ou, simplesmente, apresentar uma informação, a começar, obviamente, desta nossa primeira matéria. A propósito, você sabe qual o significado de VADEMECUM Ao final deste tutorial você terá esta informação. Sem mais delongas, ao trabalho !

 

III) Por ora, apenas o trabalho…

 

Nós, do mundo ocidental-cristão, temos no mais comum dos casos, como primeiro contato com a idéia de “trabalho”, a lição bíblica estampada no livro de Gênesis, associando-o à maldição decorrente do pecado original: “… Você terá de trabalhar duramente a vida inteira a fim de que a terra produza alimento suficiente para você…”¹ (Gênesis 3:17 – 2ª parte). Sucedem-se a este, mormente para nós do 3º mundo, o contato de fato e aquele ensinado nas escolas, ainda no ensino fundamental e normalmente restrito a ele, através do ensino da História, particularmente no estudo das civilizações greco-romanas, em sua formação, desenvolvimento e estrutura. Neste momento é que vemos as primeiras aparições das formas de trabalho compulsórias – o escravismo e a servidão – e simultaneamente, a aparição das desigualdades sociais. Essa passagem e/ou transformação das sociedades “igualitárias” em sociedades “desiguais” vem sendo entendida por um número cada vez maior de historiadores e estudiosos de ciências afins, como transformação histórica de relevância maior, sobrepujando até mesmo a invenção da escrita, sendo, inclusive, adotada como marco de aparição das primeiras sociedades denominadas “históricas”.

 

Neste contexto, com vistas aos fins a que nos propusemos, podemos estabelecer a divisão da História em Pré-História, período este marcado pela ausência de desigualdade social, ou seja, a existência de uma sociedade sem classe s, e História, cuja marca é uma sociedade desigual e uma organização social de classes. Pontue-se, a despeito da obviedade, que a alusão à Pré-História não quer dizer que não há uma “História da Pré-História”, mas sim, que estamos a definir e arbitrar como referência, algumas sociedades “de classes”, cuja importância para compreensão de nossa realidade apresenta

 

um grau que recomenda o estudo de sua estrutura e organização como forma, talvez única, de possibilidade de reconstrução seqüencial lógica dos fatos que somados culminaram na realidade histórica que hoje podemos vislumbrar.

 

Um dos mais importantes componentes sociais dessas tais “desigualdades” e “igualdades” sociais, como se pode facilmente inferir, encontra na via do trabalho sua maior expressão, quer como causa, quer como efeito, e este será, justamente, o tema que será objeto de nossa atenção e estudo.

 

 IV) SÍNTESE DA “HISTÓRIA DO TRABALHADOR”…

 

A superficial abordagem feita no tópico anterior teve o propósito de despertar no leitor alguns questionamentos e reflexões sobre a importância das formas de trabalho, e, por conseguinte das relações que através dele foram e são estabelecidas, deixando entrever que somente através do estudo da História, e para um maior aprofundamento do tema, da Sociologia do Trabalho, é que poderemos entender as relações produtivas e as normas que as regulam em suas múltiplas dimensões, nas diversas partes do mundo e particularmente no Brasil. Para exemplificar, demonstrando a pluralidade das “dimensões” a que aludimos, são temas correlatos e pertinentes: desemprego; justiça social; escravidão; reforma agrária; custo de vida; salário mínimo; desigualdades sociais; riqueza; multinacionais; globalização; igualdade e etc. Resta claro, assim esperamos seja o entendimento de todos, ser imprescindível para a compreensão das normas que regulam as relações de trabalho, quer as eficazes e vigentes, quer àquelas derrogadas ou revogadas, portanto num plano meramente histórico, o estudo das relações de trabalho em uma perspectiva histórica, emolduradas pela realidade social que lhe deu o matiz, tal qual, apenas para ilustrar, na formação da classe operária inglesa do séc. XVIII; a emergência das camadas populares nas Revoluções da Inglaterra (Revolução Puritana – 1640/1660) e da França (Revolução Francesa – 1789) e a Abolição da Escravatura no Brasil – 1888.

 

Assim, o desenvolvimento das primeiras sociedades históricas só foi possível pela organização do trabalho, entendido como pressuposto para a sobrevivência e bem-estar coletivo, tendo como primeiro modelo as sociedades egípcia e mesopotâmica. Importante salientar que nessas sociedades não existia a propriedade privada, já que todo o território era considerado propriedade dos deuses, sendo que a orientação das atividades coletivas em função do bem comum exercida pelo incipiente Estado, legitimava-se, basicamente, pelo poder divino, de quem os seus respectivos reis eram legítimos representantes. Neste contexto, temos que os agricultores trabalhavam em uma terra que não lhes pertenciam e, portanto, estavam sujeitos à prestação de trabalho e/ou pagamento de impostos, situação esta que deu origem à divisão da sociedade em classes.

 

Grosso modo, podemos dizer que a divisão da sociedade em classes surge com a prestação de trabalho com finalidade estabelecida por outrem, à margem do arbítrio e da vontade do próprio trabalhador. Em nosso modo de ver, é neste momento que nasce o trabalho propriamente dito e, com ele, o trabalhador como podemos hoje conceituá-lo, preservando a abrangência das formas conceituais de trabalho livre e compulsório.

 

Sem desconsiderar a importância das relações de trabalho estabelecidas na s civilizações greco-romanas, onde ocorreu a consolidação das chamadas “sociedades de classes” e onde surgiu a escravidão (posteriormente substituída pela servidão), passemos para um superficial exame histórico do surgimento do “trabalhador moderno”, aproximando-nos do “tempo” e do “tema”, propriamente ditos, a que nos propusemos a desenvolver.

 

Os trabalhadores modernos surgiram com a transformação do trabalho em mercadoria, o que ocorreu com a transformação dos servos, figura típica e emblemática da Idade Média, em trabalhadores assalariados. Tal passagem, que teve como berço à Inglaterra, no final do séc. XV marca o surgimento do individualismo; da passagem de uma economia orientada pelo princípio social do uso para uma economia orientada pelo princípio do ganho e, por isto mesmo, de uma multiplicação na prática das atividades mercantis; substitui, através dos cercamentos², o uso comunitário das terras por sua privatização e, finalmente, faz surgir à pobreza e a miséria, agora de forma não assistida e institucionalizada como na Idade Média, na exata medida em que, sem terras para trabalhar, afastados de seu meio de produção e subsistência, transformam-se em um enorme contingente de mendigos e desocupados.

 

Naturalmente, como já frisado, ao mesmo tempo em que o excedente de produção cria a figura do comerciante (capitalista), cujo objetivo é usar os seus recursos para aumentar suas posses, surgem os “vendedores de força de trabalho”, àqueles que como forma única de sobrevivência, sem bens nem propriedades, são “obrigados” a sujeitar-se aos detentores da terra e, portanto, do capital.

 

V) O DIREITO E O TRABALHO

 

O aparecimento do trabalhador e da pobreza em sua “versão capitalista” fez com que surgissem na segunda metade do século XVI, e ainda estamos falando da Inglaterra, leis que tratavam dos recursos e da responsabilidade de assistência aos mendigos e desocupados, normas estas que foram compiladas, resultando, em 1601, na edição da Lei dos Pobres.

 

Não se pode dizer, é bem verdade, que tal norma possa ser enquadrada como integrante do processo de formação do Direito do Trabalho, dado o seu caráter eminentemente social e assistencialista, contudo, por ser resultante de uma situação relacionada à exclusão social por afastamento do indivíduo do seu meio de produção, entendo ser esta uma das primeiras Leis que prenunciaram os horizontes que estariam a ser descortinados. Tanto isto é razoável, que foi exatamente na Inglaterra, no fim do séc. XVIII, mais precisamente em 1795, que surgiu a Lei Speenhamland, que estabelecia uma renda mínima de maneira a assegurar que, caso um trabalhador recebesse por seu trabalho uma renda inferior à renda mínima, deveria a sociedade pagar a diferença entre uma e outra. Em seguida, no início do séc. XIX (1802), surgiu oPeel’s Act (que tratou basicamente das normas protetivas de menores).

 

Em 1848, foi publicado o Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, mesmo ano em que eclodiram revoluções por toda a Europa, constituindo o movimento denominado “Primavera dos Povos”. No final do séc. XIX, em 1890, ocorre a Conferência de Berlim, ocasião em que foram reconhecidos uma série de Direitos Trabalhista e, em 1891, o Papa Leão XIII edita a Encíclica Rerum Novarum,preconizando a necessidade de uma reavaliação de posição, quantos aos trabalhadores, por parte da classe dirigente. Ao que nos parece, este documento é o precursor do surgimento das normas trabalhistas sistematizadas e consolidadas, o que se depreende de forma clara do texto, cujo excerto, para ilustrar, ora reproduzimos:

RERUM NOVARUM – PARTE 12

 

“Obrigações dos operários e dos patrões”.

 

12. Entre estes deveres, eis aqueles que dizem respeito ao pobre e ao operário: deve fornecer integralmente e fielmente todo o trabalho a que se comprometeu por contrato livre e conforme à equidade; não deve lesar o seu patrão, nem nos seus bens, nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de violências, e nunca revestirem a forma de sedições; deve fugir dos homens perversos que, nos seus discursos artificiosos, lhes sugerem esperanças exageradas e lhes fazem grandes promessas, as quais só conduzem a estéreis pesares e à ruína das fortunas.

 

Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do cristão. O trabalho do corpo, pelo testemunho comum da razão e da filosofia cristã, longe de ser um objeto de vergonha, faz honra ao homem, porque lhe fornece um nobre meio de sustentar a sua vida. O que é vergonhoso e desumano e usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços. O cristianismo, além disso, prescreve que se tenham em consideração os interesses espirituais do operário e o bem da sua alma. Aos patrões compete velar para que a isto seja dada plena satisfação, que o operário, não seja entregue à sedução e às solicitações corruptoras, que nada venha enfraquecer o espírito de família, nem os hábitos de economia. Proíbe também aos patrões que imponham aos seus subordinados um trabalho superior às suas forças ou em desarmonia com a sua idade ou o seu sexo.

 

Mas entre os deveres principais do patrão, é necessário colocar, em primeiro lugar, o de dar a cada um o salário que convém. Certamente, para fixar a justa medida do salário, há numerosos pontos de vista a considerar. Duma maneira geral, recordem-se o rico e o patrão de que explorar a pobreza e a miséria, e especular com a indigência, são coisas igualmente reprovadas pelas leis divinas e humanas; que cometeria um crime de clamar vingança ao céu quem defraudasse a qualquer pessoa no preço dos seus labores: ‘Eis que o salário, que tendes extorquido por fraude aos vossos operários, clama contra vós; e o seu clamor subiu até os ouvidos dos Deus dos Exércitos’ (Tg 5, 4). Enfim os ricos devem precaver-se religiosamente de todo o ato violento, toda a fraude, toda a manobra usurária que seja de natureza a atentar contra a economia do pobre, e isto mais ainda, este é menos apto para defender-se, e porque os seus haveres, por serem de mínima importância, revestem um caráter mais sagrado. A obediência a estas leis, – perguntamos Nós, – não bastaria só, de per si, para fazer cessar todo o antagonismo e suprimir-lhe as causas?…”.

 

(Rerum Novarum – Obrigações dos Operários e Patrões – 1ª parte. Este documento pode ser acessado na página da Associação Cultural Montfort – http://www.montfort.org.br)

“Aguarde publicação do tema: Direito do Trabalho – Parte II.”

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¹ Bíblia Sagrada: Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Barueri: SBB, 2000.

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² Cercamentos (Enclosure Acts): mecanismo utilizado para abolir o uso comunitário da terra, fazendo surgira propriedade privada e métodos capitalistas de exploração.

Fonte: http://www.juliobattisti.com.br/artigos/direito/dirtrabintroducao001.asp

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