Professor avalia que Lula não deve tratar do acordo entre Mercosul e UE em Bruxelas: ‘Não é o espaço ideal’

Com a chegada do recesso parlamentar, o destaque da política nesta semana é a nova viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para cumprir agenda em Bruxelas, na Bélgica, na cerimônia de abertura da cúpula entre União Europeia (UE) e a Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe (Celac). O evento em Bruxelas marcará o retorno da cúpula Celac-União, que não ocorre desde 2015. Tal encontro ocorre em meio às negociações do governo brasileiro para modificar exigências feitas pelo bloco europeu na aprovação do Acordo de Livre Comércio com o Mercado Comum do Sul (Mercosul), formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. No entanto, em entrevista ao Jornal da Manhã, da Jovem Pan News, o professor Alberto Pfeifer, que coordena o Grupo de Análise de Estratégia Internacional da USP, avaliou que Lula não deve discutir este acordo agora: “Não é o espaço ideal. Essa é uma cúpula entre os países da América Latina e Caribe. São 33 países, os países da União Europeia são 27 países. São 60 países, ou seja, não dá para ter nenhuma conversa profunda em um ambiente desse tamanho”.

“O acordo entre União Europeia e Mercosul é um acordo já negociado, que está em ajustes. Os ajustes por parte da União Europeia foram mais fortes do que o esperado, mas não é o lugar ideal para este tipo de continuidade da negociação do acordo entre União Europeia e Mercosul. Pode haver alguma conversa informal, alguma tratativa lateral, mas não é o lugar certo para que isso aconteça. O que é positivo neste ambiente, é que a União Europeia hoje está se tornando um espaço secundário na organização do mundo. Os espaços principais são Estados Unidos e China. A União Europeia busca parceiros nos quais possa investir em setores industriais, se livrando um pouco da dependência da China, que ficou muito clara durante o processo da pandemia. Nesse sentido, a América Latina pode ser um bom lugar, um bom parceiro. E o Brasil, em particular, que é o principal país e a maior economia, aparece como esse parceiro mais confiável”, analisou.

Para o especialista em relações internacionais, esta não é a viagem mais importante de Lula ao exterior, mas uma boa oportunidade de se mostrar como um bom parceiro para os países da UE: “A Celac é só um espaço de diálogo, ela não tem nenhum poder de implementar qualquer medida. É só um lugar em que os chefes de Estado e de governo dos países da América Latina e do Caribe, os 33 países, batem papo basicamente e acertam linhas gerais da sua relação (…) Este agora é um exercício que a gente chama de bi-regional, entre União Europeia e América Latina e Caribe, mas não é a mais importante. As viagens e visitas mais importantes são as bilaterais, nas quais o país realmente estabelecem uma agenda concreta com um parceiro determinado. Nesse sentido, creio que a visita à China tenha sido a mais importante e as visitas para os Estados Unidos e Argentina, os principais parceiros”.

“Certamente a União Europeia tem perdido espaço no plano global. A pandemia e a constatação da dependência das economias ocidentais em relação à China escancarou uma dificuldade muito grande que exige uma reorganização industrial. A União Europeia é o principal investidor industrial da América Latina e Caribe e busca sim aprofundar esses laços, fugindo da dependência da China e da disputa de poder entre Estados Unidos e China (…) A União Europeia tem perdido espaço no mundo e para a América Latina pode ser uma oportunidade de se apresentar como parceiro confiável, com laços culturais e econômicos já estabelecidos e que afasta essa relação dos centros em que há uma disputa estratégica, militar”, declarou.

O professor Alberto Pfeifer também avaliou que, tanto os países europeus, quanto os países latino-americanos, deveriam se esquivar do tema da guerra na Ucrânia: “Para o Brasil, em particular, não interessa assumir posição ou qualquer lado nessa disputa. É uma disputa europeia, Ucrânia e Rússia, e naturalmente os países europeus estão mais alinhados à Ucrânia. Para a América Latina e Caribe não interessa se posicionar. Mesmo entre nós, países latino-americanos e caribenhos, não há posição comum, nós não temos lado que seja o melhor para todos os países da região. Não é o lugar certo e se a Europa tentar forçar algo nesse sentido vai ser algo que vai depreciar o resultado final do encontro. É um encontro muito amplo, muito rápido, os resultados são muito mais em termos de imagens e propaganda, a oportunidade de uma foto conjunta e de demonstrar a união entre duas regiões, do que propriamente gerar resultados concretos”. Confira a entrevista completa no vídeo abaixo.